Trata-se de uma linha de pesquisa interessantíssima do Laboratório do Dr. Naftali Kaminski, da Yale University nos Estados Unidos, publicado em 2018 na Nature.
Antes de entrar no assunto propriamente dito, uma breve explicação sobre Fibrose Pulmonar. A fibrose pulmonar descreve uma condição na qual a anatomia pulmonar normal é substituída por um processo de remodelação ativa, deposição de matriz extracelular e mudanças dramáticas no fenótipo de ambos os fibroblastos e células epiteliais alveolares determinando a substituição do pulmão normal por fibrose. Esta condição pode ser idiopática, como na fibrose pulmonar idiopática (FPI), ou secundária a doenças genéticas, doenças auto-imunes, exposição a toxinas ambientais, medicações, ou radiação[1]
A pergunta científica desse estudo foi se o hormônio tireoidiano poderia ter alguma interferência na patogênese da fibrose tendo em vista seu papel amplo na regulação do metabolismo corporal. E a ideia se ancora em descobertas recentes de aberrações metabólicas várias relacionadas ao processo de fibrose e extensa lesão mitocondrial das células epiteliais alveolares no contexto da fibrose pulmonar.
Para responder à pergunta, os pesquisadores ofereceram T4 via sistêmica e em outro momento T3 via inalatória para um modelo murino (n = 10) de fibrose pulmonar por bleomicina. O que se observou em relação ao grupo controle é que o hormônio tireoidiano seja na forma sistêmica ou inalatória (sendo a inalatória com bem menos efeito colateral sistêmico) reduziu a intensidade da fibrose (vide o paper para entender como isso foi avaliado), além disso o hormônio tireoidiano estabilizou mitocôndrias das células epiteliais alveolares, diminuindo apoptose. O efeito do hormônio tireoidiano foi da magnitude da resposta observada com os dois antifibróticos disponíveis no mercado: a pirfenidona e o nintedanibe (em modelo animal). O estudo está aberto, sugiro a leitura – metodologia de bancada impecável.
E qual a tradução clinica desses achados? Atenção, esse é um estudo de bancada em ratos, então isso significa que os achados precisam agora ser investigados em humanos – é possível inclusive que esse estudo já esteja em andamento. Dito isto, vou compartilhar um pouco com vocês como eu integro esse conhecimento de pesquisa básica na clínica: na situação de um paciente com fibrose pulmonar, vale a pena checar TSH e T4L e ser um pouco menos tolerante com hipotireoidismo subclínico. A justificativa para tal é que a prescrição de levotiroxina para tratar hipotireoidismo é habitual, de baixo risco e adicionalmente pode (repito, pode) ter um efeito protetor reduzindo progressão de fibrose no paciente com fibrose pulmonar. Desse modo, a balança do risco/benefício, mesmo considerando uma evidência derivada de modelo animal, pende para o benefício.
1. Travis WD, et al. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: Update of the international multidisciplinary classification of the idiopathic interstitial pneumonias. American journal of respiratory and critical care medicine. 2013; 188:733–748. [PubMed: 24032382]
Declaração de conflitos de interesse: Já recebi apoio para viagens e speaker fees da Boehringer Ingelheim e já recebi apoio para eventos e speaker fees da Roche. Participo atualmente de atividades de educação médica da Roche relacionadas ao produto Tocilizumab (para Artrite Reumatoide). Declaro também meu compromisso com uma analise isenta (científica) da literatura disponível.
Quem eu sou? Sou doutora em pneumologia pela Universidade de São Paulo, especialista em doenças intersticiais pulmonares (é a minha praia!), coordenadora nacional do Registro Latino-Americano de Fibrose Pulmonar Idiopática (REFIPI) e médica pesquisadora especializada em ensaios clínicos randomizados pelo Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração
Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado
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