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  • Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Influência do gênero na avaliação durante a residência

Estudo multicêntrico conduzido na especialidade de Emergências Médicas.


Nessa pesquisa científica multicêntrica retrospectiva Norte-Americana, foram avaliadas as notas dadas para residentes da disciplina de Emergências do gênero feminino e masculino ao longo dos anos de formação. Observou-se que residentes receberam notas (na verdade conceitos) semelhantes na avaliação de primeiro ano, no entanto, na sequência dos anos de residência, residentes do gênero masculino passam a ser mais bem avaliados em relação às residentes, determinando uma diferença de pontuação relacionada ao gênero (gender gap) ao final da formação.



Da amostra do estudo, 237 (66%) residentes eram do gênero masculino e 122 (34%) do sexo feminino. Quando aos avaliadores, 194 (68%) eram do gênero masculino e 91 (32%) do gênero feminino.


As mesmas 23 competências foram avaliadas nos 3 anos de residência. Nesse pacote, havia características técnicas e características não-técnicas. Citando algumas: estabilização do paciente grave, acesso vascular, disposição para o trabalho, capacidade de multitarefa, valores morais profissionais, liderança de equipe, comunicação com paciente, etc.

No primeiro ano de residência, residentes do gênero masculino e feminino receberam pontuação semelhante – na verdade as residentes do gênero feminino receberam maiores notas em várias competências, indicando no mínimo um mesmo nível basal de conhecimento ao entrarem no programa de residência. No entanto, no 2º e no 3º ano, residentes do gênero feminino receberam sistematicamente menores notas (em competências técnicas e não-técnicas) que seus colegas do gênero masculino, e isso independia se o avaliador era do gênero masculino ou feminino.

Como explicar esses resultados?


Bom, algumas hipóteses surgem desses resultados: podemos pensar que as residentes estavam super engajadas e motivadas no primeiro ano, mas se desanimaram uniformemente no segundo e terceiro ano. Hum...


Outra possível explicação seria a presença de vieses subconscientes contra o gênero feminino. Por subconsciente estamos nos referindo a vieses mentais onde o praticante não tem consciência sobre e que até podem ser contrários ao que professa conscientemente.


As diferenças de notas surgiram de forma consistente e uniforme a partir do 2º e 3º ano, indicando a possível presença desses vieses subconscientes, especialmente considerando que no 1º ano de residência os residentes de ambos os gêneros foram avaliados como tendo o mesmo nível.


Mas por que só no 2º e 3º ano de residência esses resultados aparecem? Os autores discutem que é justamente nessa fase que começam a ser valorizadas e começam a surgir qualidades de liderança, como assertividade, independência, autoconfiança, características essas culturalmente estereotipadas como pertencentes ao gênero masculino. Quando residentes do gênero feminino externam essas características de liderança, desencadeiam no avaliador o fenômeno de incongruência de papeis (de forma subconsciente, há uma percepção de inadequação já que aquelas características de liderança “pertencem ao gênero masculino”) culminando em notas mais baixas para as mulheres. Outros fatores também podem estar participando desse efeito, a discussão do artigo vale a pena de ser lida.


Investigações sobre o tema continuam à medida que o assunto ganha notoriedade, e os papers adicionais nos ajudarão a compreender melhor os porquês do fenômeno.


A tomada de consciência é o primeiro passo se desejamos modificar vieses subconscientes. Nesse artigo não se pode atribuir inequivocamente os achados à presença de viéses subconscientes MAS o artigo leva a reflexões. Para abordar essas questões em seus departamentos, varios chefes de departamentos de Pneumologia e Terapia Intensiva elaboraram um documento muito interessante sobre:

Thomson CC, Riekert KA, Bates CK et al. Addressing Gender Inequality in Our Disciplines: Report from the Association of Pulmonary, Critical Care, and Sleep Division Chiefs. Ann Am Thorac Soc. 2018 Dec;15(12):1382-1390. doi: 10.1513/AnnalsATS.201804-252AR.


As opiniões aqui veiculadas não representam a visão de nenhuma das Instituições para as quais trabalho, presto serviço ou eventualmente me relaciono na forma de projetos temporários.


Declaração de conflitos de interesse: nenhum


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado










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