Letícia Kawano-Dourado
Associação entre a frequência no consumo de orgânicos e o risco de câncer
Descobertas do estudo coorte prospectivo da NutriNet-Santé

Nesse estudo de coorte prospectivo, com quase 70 mil indivíduos, foi observado que um maior consumo de orgânicos esteve associado a um menor risco de desenvolvimento de câncer.
A coorte de quase 70 mil pessoas foi seguida por 4 anos, 78% dos participantes eram do sexo feminino. Maior consumo de orgânicos esteve associado com sexo feminino, mais elevada renda mensal, melhor nível educacional, mais atividade física e menor exposição ao tabagismo. Além disso o maior consumo de orgânicos também esteve relacionado com maior consumo de fibras, proteínas vegetais e micronutrientes.
Comentários metodológicos: Espero que vocês não se cansem da minha insistência na tecla “ASSOCIAÇÃO não necessariamente implica em CAUSALIDADE”.
De novo, mais um estudo onde esse é o mote central porque observamos uma agregação de fatores de “risco” (risk factor clustering). Aqui, no caso, “risco” se referindo ao risco de se expor a orgânicos. Obviamente, os autores procuraram controlar todos esses fatores conhecidos para tentar isolar o efeito do consumo de orgânicos no risco de câncer. Para ser mais precisa, os autores reportam na tabela 2 (veja aqui) o resultado de 3 modelos de regressão de Cox. No modelo 1, as covariáveis ajustadas foram apenas idade e sexo. No modelo 2, 21 covariáveis foram incluídas e no modelo 3, 25 covariáveis.
Tenho muitas coisas para falar do modelo de Cox e aos poucos vou abordá-lo. Nesse primeiro momento, quero começar dizendo que o modelo de Cox é uma forma de investigar o efeito de vários fatores (covariáveis) sobre o tempo que se leva até a ocorrência de um desfecho (nesse caso: câncer, mas poderia ser morte, por exemplo), o modelo de Cox nos fornece Hazard ratios (HR). Quando o HR é menor que 1 quer dizer que a variável que estamos investigando (nesse estudo é o consumo de orgânicos) tem um efeito benéfico, ou seja, reduziu o desfecho, que em geral é negativo/ruim. Enquanto que se o HR é maior que 1, temos um efeito maléfico, ou seja, se aumentou o desfecho.
Por essa coorte, parece que o consumo de orgânicos retém efeito positivo mesmo controlando todas as outras variáveis associadas a esse hábito de vida.
No entanto, é necessário cautela pois o estudo Million Women Study com quase 650 mil mulheres no Reino Unido não observou associação entre consumo de orgânicos e redução de casos de câncer. Uma questão do Million Women Study é que houve menor refinamento na documentação da quantidade de orgânicos consumidos, algo que pode ter causado seu resultado negativo (lembrem: a ausência de evidência não necessariamente é evidencia da ausência).
Quer ler mais sobre Hazard Ratios/modelo de Cox? Procure Hernán, M. Epidemiology, 2010; 13-15. Esse artigo é aberto no PUBMED ( PMID: 20010207)
1. Bradbury KE, Balkwill A, Spencer EA, et al; MillionWomen Study Collaborators. Organic food
consumption and the incidence of cancer in a large prospective study of women in the United
Kingdom. Br J Cancer. 2014;110(9):2321-2326. doi:10.1038/bjc.2014.148
Declaração de conflito de interesse: nenhum
Atenção: neste post, eu estou analisando apenas o artigo em questão e não o assunto “orgânicos e risco de câncer”. Para mais detalhes sobre o risco de resíduos de agrotóxicos e cancer veja esse post aqui.
Comentários são bem-vindos!