Pirfenidona (Esbriet®) versus Nintendanib (Ofev®)
A Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI) é uma doença que se caracteriza por fibrose progressiva dos pulmões determinando uma mediana de sobrevida de 2,5 a 3,5 anos [1];
O tratamento da FPI passa por uma abordagem multidisciplinar englobando reabilitação, oxigenioterapia, vacinas, abordagem de comorbidades, controle de sintomas e antifibróticos [2] Os antifibroticos disponíveis em 2019 aprovados para tratamento da FPI são a pirfenidona e do nintedanib [2].
A primeira mensagem que se precisa ser apreendida é que ambas as drogas são inequivocamente eficazes em desacelerar a progressão da FPI e o perfil de segurança é bom – mas não isento de efeito colaterais.
Mas quão eficazes são os antifibróticos?
[Preâmbulo] Com base em posts anteriores (sobre DPOC) onde discuto magnitude de efeito, lembrem-se que do ponto de vista clínico a informação relativa (ex. “20% de redução” no desfecho X) têm pouca ou nenhuma utilidade porque depende da taxa basal de eventos para fazer sentido. Por exemplo, 20% de redução em exacerbações tem pouco valor clínico se a taxa de exacerbação é baixa, mas pode ter muito significado se o evento é mais frequente. Reportar efeito de tratamento em métricas relativas é sempre mais interessante já que causam um impacto maior no leitor, no entanto o que é de fato informativo é o efeito absoluto. Vamos aos exemplos:
Pirfenidona – com base nos dados do estudo ASCEND [3]
Efeito relativo de tratamento: em 1 ano, no grupo que usou pirfenidona observou-se uma redução do desfecho primário (queda > 10% de CVF ou morte) de 47.9% (ótimo, não?)
Efeito absoluto de tratamento: o efeito acima significou uma redução absoluta no desfecho de 15.3% (31.8% no grupo pirf vs 16.5% no grupo placebo). Então 15% é a magnitude de efeito que se espera com a pirfenidona. Bate mais com o efeito que vemos na prática clínica, concordam? Do que os impressionantes 47.9%! :-)
Observou-se também que em 1 ano a queda média de CVF no grupo pirfenidona foi de 235 ml enquanto no grupo placebo foi 428ml, dando uma diferença absoluta de 193 ml em 1 ano, um dado absoluto interessante!
Além disso, a analise de dados agregados dos estudos ASCEND e CAPACITY (n = 1247) mostrou um efeito positivo em mortalidade com a “estimativa ponto” de efeito protetor de 48% = HR 0.52 com IC95% 0.31 – 0.87; p = 0.01.[3]
E o Nintendanib? – com base nos estudos INPULSIS [4]
Também uma droga eficaz com magnitude de efeito de desacelerar CVF semelhante a pirfenidona em torno de (redução de perda) 125 ml de CVF em 1 ano. Dicotomizando o desfecho, houve uma diferença absoluta favorável ao nintedanib de 10% na proporção de pacientes que apresentaram estabilidade de CVF (53% vs 38.8%) . Quer dizer, 10% é o efeito visível na prática clínica (efeito absoluto). Bate mais com o efeito que vemos na prática clínica, concordam?
No entanto os estudos INPULSIS sofreram um pouco mais para demonstrar efeito em seus desfechos secundários mesmo agregando dados dos INPULSIS 1 e 2, como por exemplo em melhora de qualidade de vida (SGRQ), em exacerbação aguda e em mortalidade, e uma hipótese alternativa para explicar esses achados além de uma menor eficácia relativa à pirfenidona (que seria a primeira coisa a passar na cabeça do clínico) é o tamanho amostral dos dois estudos INPULSIS: 638 pacientes enquanto que a analise agregada da pirfenidona envolveu 1247 pacientes (o que aumenta o poder para demonstrar efeitos) [3,4]. Com relação a exacerbação aguda, eventos adjudicados da análise agregada do INPULSIS 1 e 2 foram positivos no entanto dados não adjudicados não foram: podemos estar diante de um verdadeiro efeito filtrado o ruído pela adjudicação ou apenas variação randômica de efeito por multiplicidade de análises. Caso seja real, esse efeito sobre exacerbações precisa ser reproduzido.
E sobre os efeitos colaterais, como divergem os antifibroticos?
Ambos tem como principal efeito colateral manifestações gastro-intestinais sendo a nausea o principal problema da pirfenidona e a diarreia o principal problema do nintedanibe [3,4]. A pirfenidona tem o rash cutâneo fotossensível como outro importante efeito colateral que demanda do paciente uso de proteção solar e consideração sobre estilo de vida, pois se é um paciente que faz muita atividade outdoor, talvez a pirfenidona possa ser um problema.
Observação: quando vocês lerem abaixo "magnitude absoluta de efeito" significa a taxa de evento no grupo intervenção menos a do placebo. Ex. se no placebo houve 10% de vômitos e no grupo intervenção 25%, a magnitude absoluta de efeito é de 15%.
Quais efeitos colaterais esperados com pifenidona?
Do ponto de vista de frequência do evento [3]: Nausea (23% magnitude absoluta de efeito); anorexia (9% magnitude absoluta de efeito); dispepsia (11% magnitude absoluta de efeito); perda de peso (4% magnitude absoluta de efeito); diarreia (não diferiu do placebo); rash por fotossensibilidade (20% magnitude absoluta de efeito), 1% elevação de enzimas hepáticas acima de 3x normal.
E quais os efeitos colaterais esperados com nintedanib?
Do ponto de vista de frequência do evento: Diarreia é um efeito colateral significativo do nintedanib, na maioria das vezes manejável mas em alguns casos pode ter apresentação explosiva, impedindo o paciente de conseguir sequer chegar ao banheiro. Dr. Paul Noble por exemplo, recomenda ao pacientes levarem consigo uma muda de roupa nos primeiros meses de tratamento[comunicação pessoal]. O aumento absoluto de diarreia (de qualquer intensidade) nos estudos INPULSIS foi de 40% mas diarreia mais significativa em torno de 24% [2]. Nausea (15 – 20% magnitude absoluta de efeito), vômitos (7 – 10% magnitude absoluta de efeito), perda de peso (2 – 10% magnitude absoluta de efeito)
Elevação de enzimas hepáticas acima de 3x foi observado 5 a 10 vezes mais frequentemente no nintendanibe que no placebo (de 0.5% no placebo a 4.9% no nintendanibe) e deve ser monitorado com cuidado nos pacientes aos quais o nintedanibe é prescrito.
Outro sinal adverso importante, que é o que mais me preocupa em relação ao nintendanibe, é o sinal observado em Infarto do miocárdio (IAM). IAM ocorreu numa magnitude 3 x maior com nintendanibe (de 0,5% no grupo placebo para 1,6%): foi um evento raro mas com plausibilidade biológica que o nintendanibe tenha mesmo esse risco [5] Desse modo, segue a minha opinião de especialista: temos dois antifibroticos igualmente eficazes. Em não havendo contra-indicação à pirfenidona, ela é a minha escolha nesses pacientes com risco cardiovascular aumentado com base no fato de que são drogas igualmente eficazes somado ao princípio de "na dúvida pró-réu" [elementos de clinical decision making]. Lembrem que medicina baseada em evidência não é a aplicação cega de resultados de trials mas a incorporação desses resultados dentro de um raciocínio clínico que incorpora opções alternativas de eficácia semelhante sem o mesmo risco - mesmo que mínimo. Quem já assistiu minhas aulas sobre analise de segurança de drogas na artrite reumatóide sabe que no quesito segurança não se procura significância estatística tradicional ( p 0.05)!
Outros pontos importantes antes de transportar esses dados para a prática clínica:
1. Avaliar a validade externa dos dados: a população incluída nos estudos da pirfenidona e do nintedanibe representa o paciente típico visto no seu consultório? Note que pacientes com comorbidades, com importante repercussão funcional foram excluídos dos trials então cuidado ao extrapolar dados para esses casos. Sugiro uma olhada cuidadosa nos critérios de inclusão e exclusão do estudos pivotais [3,4]
2. A taxa de adesão à pirfenidona e ao nintedanibe em ambiente de Trial foi de 86% e 80% em 1 ano: considere então que na melhor das hipóteses, em torno de 20% dos pacientes vão descontinuar tratamento em 1 ano e essas taxas cumulativas aumentam com passar do tempo.
3. Custos: o nintedanibe é quase o dobro do valor da pirfenidona
4. Posologia: a pirfenidona são 3 cp 3 vezes ao dia e o nintedanibe 1 cp 2x ao dia.
Bom espero trazer mais clareza na escolha dos atuais antifibróticos disponíveis. O que anima é que tem muita molécula promissora sendo testada! [6] Foi também animador ter visto no evento ICLAF no Pacific Groove em 2018 que vários grupos de pesquisa norte-americanos já conseguiram desenvolver moléculas que conseguem ativar a apoptose de fibroblastos maduros (quer dizer, dissolver fibrose!), minha impressão é que não levaremos mais 10 anos para tratar de forma amplamente eficaz a fibrose.
Comentários são bem-vindos!
Declaração de conflitos de interesse: Já recebi apoio para viagens e speaker fees da Boehringer Ingelheim e já recebi apoio para eventos e speaker fees da Roche. Participo atualmente de atividades de educação médica da Roche relacionadas ao produto Tocilizumab (para Artrite Reumatoide). Declaro também meu compromisso com uma analise isenta (científica) da literatura disponível.
Quem eu sou? Sou doutora em pneumologia pela Universidade de São Paulo, especialista em doenças intersticiais pulmonares (é a minha praia!), coordenadora nacional do Registro Latino-Americano de Fibrose Pulmonar Idiopática (REFIPI) e médica pesquisadora especializada em ensaios clinicos randomizados pelo Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração
Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado
1 Ley, B.; Collard, H.R.; King, T.E. Clinical Course and Prediction of Survival in Idiopathic Pulmonary Fibrosis. Am. J. Respir. Crit. Care Med. 2011, 183, 431–440. .
2 Raghu, G.; Rochwerg, B.; Zhang, Y.; Cuello Garcia, C.A.; Azuma, A.; Behr, J.; Brozek, J.L.; Collard, H.R.; Cunningham, W.; Homma, S.; et al. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline: Treatment of Idiopathic Pulmonary Fibrosis. An Update of the 2011 Clinical Practice Guideline. Am. J. Respir. Crit. Care Med. 2015, 192, e3–e19
3. King, T.E.; Bradford, W.Z.; Castro-Bernardini, S. A Phase 3 Trial of Pirfenidone in Patients with Idiopathic Pulmonary Fibrosis. N. Engl. J. Med. 2014, 370, 2083–2092.
4 Richeldi, L.; du Bois, R.M.; Raghu, G.; Azuma, A.; Brown, K.K.; Costabel, U.; Cottin, V.; Flaherty, K.R.; Hansell, D.M.; Inoue, Y.; et al. Efficacy and Safety of Nintedanib in idiopathic pulmonary fibrosis. N. Engl. J. Med. 2014, 370, 2071–2082
5 Wollim L, Wex E, Pautsch A et al. Mode of Action of nintedanib in treatment of idiopathic pulmonary fibrosis. ERJ, 2015;
6 Hewitt RJ; Maher T. Idiopathic Pulmonary Fibrosis: New and Emerging Treatment Options. Drug and Ageing, March 2019.
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