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  • Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Influenza, infarto do miocárdio, vacina da gripe

Vale a pena vacinar para gripe?






Vírus influenza H1N1

Em 2018 foi publicado um estudo no NEJM investigando a associação entre infecção respiratória confirmada por influenza e hospitalização por infarto agudo do miocárdio (IAM). Os pesquisadores investigaram o número total de internações por IAM que ocorreram 1 ano antes e 1 ano após exame positivo para influenza em pacientes com idade > 35 anos. Em seguida avaliaram a taxa de eventos de IAM nos 7 dias após o exame positivo para influenza ("período de risco") comparado a taxa de eventos de IAM no ano anterior ou no ano posterior a esse período ("período controle"). O influenza foi detectado por PCR em 86% dos casos ou por cultura em 22%.




Resultados: idade mediana de 77 anos IQR [ 65 - 86], 48% de mulheres, e a maioria dos pacientes tinha fatores de risco cardiovasculares (como diabetes, hipertensão, dislipidemia).

Foram 364 hospitalizações por IAM no período de 1 ano antes e 1 ano após exame para influenza positivo. Dentro do período de risco (7 dias após exame positivo para influenza), a taxa de hospitalização por IAM foi de 20 casos/semana, enquanto no período controle a taxa de eventos foi de 3.3 casos/semana, o que nos dá uma razão de incidência de 6.05 (seis vezes maior a taxa de admissão por IAM no período logo após a comprovação de influenza) com intervalo de confiança de 95% variando de 3.86 - 9.50. A razão de incidência permaneceu a mesma quando o período controle foi o mesmo mês de calendário um ano antes ou um ano depois (considerando a estação do ano). Adicionalmente notaram que após 7 dias após a detecção do influenza, a taxa de IAM retorna ao basal. Outras várias análises de sensibilidade interessantes foram realizadas, vide paper para detalhes.


Além disso os autores excluíram 123 casos de hospitalização por IAM em que o teste positivo para influenza foi realizado durante a mesma internação (quer dizer, essa taxa de evento de 20 IAMs por semana na 1 semana pós-exame influenza positivo é uma valor conservador = subestimado).


Os autores então concluem que há uma associação entre infecção pelo vírus influenza e infarto agudo do miocárdio. Evidência que reforça achados de estudos anteriores como: Smeeth L et al, NEJM, 2004 e Warren-Gash C et al, J Infec Dis, 2012 . O racional fisiológico por trás é que inflamação aguda pode desencadear um evento cardiovascular, assim como a inflamação crônica.

Fim desse artigo--------------------------------------------


Ok, a pergunta natural na sequência é:

E a vacina para se prevenir do influenza pode também aumentar o risco de IAM?

Se vocês clicaram na referência Smeeth et al que mencionei acima (recomendo!), vão ver que a infecção pelo influenza está relacionada com eventos cardiovasculares (IAM e acidente vascular cerebral) mas a vacinação para influenza não! Isso numa análise de 40 mil pacientes! Notem a reprodutibilidade da estimativa ponto (razão de incidência para IAM nos 3 dias após detecção do influenza foi de 4.95, neste estudo).


Vale a pena vacinar? Há evidência de proteção com a vacina para influenza?

Como vocês sabem a vacina para influenza precisa ser renovada todos anos. O motivo é a alta taxa de mutação do influenza o que faz com que a proteção do ano anterior não funcione tão bem para o ano seguinte. Dessa forma pesquisadores tentam estimar qual será a cepa mais prevalente e antígenos a serem usados na próxima estação e assim fazem a vacina do próximo ano. Pode-se antever que haverá anos em que a proteção será maior, enquanto em outros anos a proteção será menor a depender de como está o "match" entre vacina e vírus circulante.

Outro fator que impacta na maior ou menor proteção vacinal é quem recebe a vacina, se imunossuprimido (por medicações ou doenças) ou idade.

Em estações em que há um "match" adequado entre vacina e vírus a proteção pode chegar a 60%, quer dizer, há 60% de redução no número de casos confirmados de influenza.

Em algumas populações específicas como gestantes há evidência de que a vacinação pode reduzir a taxa de hospitalização por influenza em 40%. E em crianças é onde a evidência tem maior magnitude: a vacinação para influenza reduz a taxa de morte em metade!


Para finalizar: e os riscos da vacina?

Primeiro, esclareçam seus pacientes que é impossível contrair a gripe através da vacina. Na vacina há apenas vírus inativado ou partículas virais. O que acontece é que a vacina é dada logo no início da estação em que há um aumento de casos de influenza e outros vírus respiratórios, então pode haver a coincidência de se tomar a vacina e estar infectado ou logo em seguida se infectar.

Efeitos adversos comuns (não-importantes) são: dor no braço, dor de cabeça, febre.


Quem NÃO deve receber a vacina?

- Menores de 6 meses

- História pregressa de Síndrome de Guillain Barré - contra-indicação relativa, necessidade de consulta e análise do caso. Sobre essa preocupação, valem algumas considerações: 1) a própria infecção pelo influenza pode desencadear a síndrome de Guillain Barré. 2) O número de casos de Guillain-Barré após vacina para influenza vem caindo progressivamente ao longo dos anos, estando estimado atualmente em 0,04 por 100.000 vacinados, que corresponde a um risco de 0,00004%. Por outro lado, para fins de comparação, o risco de morte por influenza é de:


- 3 mortes por 100.000 infecções por influenza confirmadas na faixa etária de 0 - 4 anos ATENÇÃO: isso equivale a 75x a taxa de Guillain-Barré pela vacina!

- 19 mortes por 100.000 infecções por influenza confirmadas na faixa etária de 18 a 49 anos

- 936 mortes por 100.000 infecções por influenza confirmadas na faixa etária: maiores que 65 anos (!!!)

- 162 mortes por 100.000 infecções por influenza confirmadas analisando todas as faixas etárias


Grafico retirado de: https://www.cdc.gov/flu/about/burden/2017-2018.htm#table1 Consulta realizada em 28 de abril de 2019

Resumo da ópera integrando uma análise sobre a magnitude do risco e a magnitude do benefício, fica clara a ampla vantagem da vacina contra influenza sobre o risco da infecção. Os achados de benefício da vacina são reprodutíveis em vários estudos, em diferentes populações, com diferentes designs, o que reforça que estamos vendo um sinal verdadeiro e não um ruído.

Vacinem-se, vacinem seus filhos e quem mais estiver sob seu cuidado! #vacinasFuncionam #vacinasProtegem


Declaração de conflito de interesse: nenhum


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado


Sobre a autora do Blog: Sou médica pneumologista, doutora em pneumologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e médica pesquisadora, envolvida na elaboração e execução de ensaios clínicos randomizados.


Comentários são bem-vindos!



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