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  • Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Mitos e verdades na Covid-19: vamos lá?

Sete meses de Covid-19 no mundo e chegando nos 100 mil mortos: muito aprendizado sobre a doença mas também quanta confusão!





Na construção de qualquer conhecimento novo é natural haver "pistas falsas" ou teorias conspiratórias e/ou persecutórias

Não foi diferente no aprendizado sobre a Covid-19. A diferença, para nós pesquisadores, já acostumados a lidar com as incertezas do processo, foi lidar com a ansiedade (natural) da midia leiga e da população que encarava cada "tijolo" da parede do conhecimento como algo definitivo e absoluto.


Na pandemia de peste bubônica do século XVII na Asia e Europa, muitos negavam o problema, outros afirmavam que a doença havia sido trazida por inimigos com intenções maléficas e toda sorte de supertições estão registradas sobre o que curaria/protegeria da Peste.


O SARS-CoV2 foi produzido em laboratório na China?

MITO

Recentemente, a líder do laboratório Chines, o Wuhan Institute of Virology, um laboratório de biossegurança nível 4, Dra. Shi Zhengli, escreveu sobre as acusações que sua instituição recebeu à revista Science. A cientista chinesa se formou na China e adquiriu seu PhD na França, tendo ampla internacionalização, o que permitiu que vários colegas virologistas mundo a fora pudessem dar suporte às explicações da Dra. Zhengli.


Ela conta inclusive do estresse emocional que passou quando, diante das acusações de acidente no laboratório dela causando a pandemia, ela mesmo quis investigar se havia possibilidade de ter ocorrido o acidente: e não há o menor indício ou possibilidade de que tenha ocorrido acidente no laboratório, vejam detalhes na entrevista dela para a Science.



Nem todos os primeiros casos de Covid-19 reportados na China tiveram o elo comum do mercado de Wuhan.

VERDADE

As evidências se acumulam e tudo indica que SARS-CoV2 circula há décadas em morcegos. Também há evidência de que casos de Covid-19 já estavam ocorrendo em Wuhan em Novembro de 2019. O surto no Mercado de Wuhan - um ambiente propício para os super surtos de Covid-19 - fez chamar a atenção dos médicos para uma pneumonia de causa desconhecida em pessoas com epidemiologia comum, o que levou a investigação mais aprofundada até a identificação do novo coronavirus, no entanto casos não relacionados ao Mercado de Wuhan já estavam acontecendo.



A Covid-19 é uma doença grave e mata a maioria das pessoas que a contrai.

MITO

A história natural da Covid-19 (quer dizer, sem qualquer tratamento) é ser uma doença auto-limitada na maioria das pessoas. Para crianças e pessoas jovens, fatalidades são raridades. Á medida que a idade avança, temos 1% de mortalidade nos que tem acima de 50 anos (isso quer dizer 99% de sobrevida), e 85 a 90% de sobrevida para os maiores de 70 anos, veja a tabela abaixo.

Do ponto de vista individual, a maior probabilidade é que a Covid-19 passe sem causar maiores problemas, no entanto, do ponto de vista público, essas proporções de casos graves tomam números grandes: os números que temos visto de óbitos mundo à fora. A preocupação em nível coletivo é que justifica medidas austeras para controle da doença. No nível indívidual, é preciso se proteger mas sem pânico.


Onder G et al. JAMA. 2020;323(18):1775-1776.


Distanciamento físico, confinamento (lockdown) não funcionam para controlar a Covid-19

MITO

Ora vejam, a Covid-19 se transmite de humano a humano por gotículas respiratórias. Se você afasta as pessoas, o que é o mais provável de acontecer com a transmissão da Covid-19? Diminuir confere? Mas vamos visitar as evidências que reforçam o raciocínio de plausibilidade biológica:


No gráfico abaixo note o comportamento da positividade do PCR em pacientes e profissionais de saúde em Londres antes e após a confinamento. Houve uma queda na proporção de 6x menor de casos 4 semanas após o confinamento.

Treibel TA et al. Lancet, 2020, 395 (10237): 608-610

Aqui tem também o bate-papo promovido pelo Ciência USP com a amiga e intensivista Dra. Anna Podolanckzuk, da Columbia University em Nova York, nos contando sobre como foi estar na linha de frente da Covid-19 quando a cidade de NY estava em transmissão acelerada da Covid-19 e o efeito do confinamento que foi decretado na cidade. Segundo palavras dela: "o confinamento nos salvou".






Se eu tomar hidroxicloroquina e/ou ivermectina na fase precoce da Covid-19 eu aumento minhas chances de ter uma Covid-19 leve e com sintomas mais curtos.

MITO

Infelizmente não é verdade. Estudos (e aqui) de boa qualidade metodológica mostram que a hidroxicloroquina não funciona para Covid-19. A hydroxicloroquina também não funcionou na fase hiperprecoce (como profilaxia), ou seja quando a quantidade de vírus é bem baixa, o que indica que é muito pouco provável que funcione quando a replicação viral aumenta, na fase precoce.

Adicionalmente há riscos, o uso da hidroxicloroquina está associada a maior risco de arritmias (prolongamento do intervalo QTc) e lesão hepática.

A ivermectina não se mostra promissora pois apenas consegue ação sobre o SARS-CoV2 em doses muito altas, ao ponto de ser tóxico para as células.



Ozonioterapia funciona para Covid19

MITO

Para agosto de 2020, não há nenhuma prova de efeito do ozonio para Covid-19 ou mesmo para qualquer outra indicação que o ozonio esteja sendo aplicado (desculpe trazer essa notícia, mas esses são os fatos do momento). O artigo que circula embasando o efeito do ozonio na Covid-19 não tem condições para demonstrar que a melhora dos casos foi devido ao ozonio. Foram apenas 4 casos que alem do Ozonio receberam de corticóide a tocilizumab. Não houve grupo controle definido de forma aleatória (porque precisa de grupo controle? Veja aqui), enfim um artigo muito muito fraco que não pode ser levado como evidência.

Os defensores do ozonio precisam fazer um estudo sorteando (randomizando) pacientes com Covid-19 para um grupo que recebe ozonio e outro que recebe placebo e aí sim comparar se o ozonio tem algum efeito benéfico. Além disso é preciso avaliar a segurança da prática pois infusões retais (a forma com que o ozonio é administrado) podem estar associadas com risco de perfuração intestinal, um quadro grave abdominal.



Devo me desesperar já que não temos ainda nada de preventivo ou curativo para a Covid-19?

NÃO

A Covid-19 para a maioria das pessoas será um quadro brando. A ciência avança a passos largos. Em breve esse desafio terá sido superado, eu estou certa disso.

Enquanto isso, distanciamento físico, máscara, proteção ocular e higiene de mãos e superfícies são super efetivos em controlar a transmissão da Covid-19.


Cuidem-se e fiquem bem!



Declaração de conflitos de interesse: participo da Coalizão Brasil Covid-19.


As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.

Eu sou Leticia Kawano Dourado, doutora em pneumologia pelo HCFMUSP, médica pneumologista e pesquisadora.


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado




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