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  • Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Qual a magnitude do risco de pneumonia em pacientes com DPOC que usam corticóides inalados?

Magnitude de aumento do risco


Primeiramente vamos esclarecer que o uso de corticóides inalados está indicado em um subgrupo de pacientes com DPOC, e o seu uso diminui taxa de exacerbação pulmonar e de perda de função pulmonar, vide GOLD 2018. Para asmáticos, está contra-indicado o uso de broncodilatadores de longa-duração sem corticóide inalatório pois o uso isolado de broncodilatadores de longa-duração em asmáticos está associado com maior risco de crise grave de asma e morte, vide GINA. A partir daqui, vamos:


Sabe-se a partir de pesquisas científicas - ensaios clínicos randomizados (ECRs) realizados na população com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) que o uso de corticóides inalados, tanto isolados ou associados a broncodilatadores , está associado a um maior risco de desenvolver pneumonia com o IC95% do Risco Relativo (RR) girando em torno de 2 (quer dizer: duas vezes mais risco de pneumonia com o uso de corticóide inalado que sem corticóide inalado) [1-7].


Qual a informação que esse risco relativo de 2 traz? NENHUMA!


Consegue perceber?


Não é possível ter a dimensão do tamanho do risco que seu paciente corre a partir do risco relativo. Para o risco relativo fazer sentido, precisamos saber qual a taxa basal de eventos. Por exemplo, duas vezes mais casos de pneumonia quando 30% dos pacientes desenvolvem pneumonia é um aumento ENORME. Já duas vezes mais casos de pneumonia quando 0,003% dos pacientes desenvolvem pneumonia é um aumento mínimo, talvez sem tanta relevância clínica.



Vamos lá ver então qual a taxa basal de eventos para entendermos o que significa um Risco Relativo de 2: Pegando como exemplo o estudo TORCH [8]


No estudo TORCH, um estudo randomizado controlado que comparou fluticasona 500mcg/salmeterol 50mcg vs salmeterol 50mcg isolado vs fluticasona 500mcg isolada (Fluticasona é o corticóide inalatório). A taxa de pneumonia foi em torno de 86 casos por 1.000 ano-tratamento enquanto no grupo sem corticóide inalado foi de 52 casos por 1.000 ano-tratamento ou 0,052 pneumonias por ano-tratamento [8].


Antes de prosseguir talvez precisamos explicar o que é esse índice ano-tratamento. Ano-tratamento (Treatment-years) foi uma forma de considerar por quanto tempo o paciente foi tratado (pois alguns pacientes ficaram expostos ao corticoide mais tempo que outros) .A taxa de pneumonia por 1.000 ano-tratamento foi obtida dividindo o número de pneumonias pelos número de anos que os pacientes foram expostos, depois multiplicado por 1.000.


Ou seja, com base nos dados do estudo TORCH (mas fique a vontade de usar a priori que desejar), um risco relativo de 2 significa sair de uma taxa de pneumonia de 0,052 casos por ano (vamos considerar 20 anos tratando) = 1,04 (0,052 x 20) caso de pneumonia em 20 anos para 1,72 casos (0,086 x 20).


Quer dizer, o aumento de risco existe, mas o aumento de risco absoluto individual é muito baixo o que justifica considerar o uso da medicação nas situações citadas no começo desse post. Entretanto, do ponto de vista populacional, tendo em vista quão comum é o DPOC, esse aumento de risco é significativo e por isso as recomendações e alertas sobre sua ocorrência.


Resumo da ópera, para captar a magnitude de um risco relativo, é preciso saber a taxa de evento basal. Segundo um pequeno aumento absoluto de risco pode não ser desprezível do ponto de vista individual mas pode ser significativo do ponto de vista populacional


Deu para entender? Comentários são bem-vindos!


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado



1 Ernst P, Saad N, Suissa S. Inhaled corticosteroids in COPD: the clinical evidence. Eur Respir J 2015; 45: 525–537.

2 Calverley PM, Anderson JA, Celli B, et al. Salmeterol and fluticasone propionate and survival in chronic

obstructive pulmonary disease. N Engl J Med 2007; 356: 775–789.

3 Crim C, Calverley PM, Anderson JA, et al. Pneumonia risk in COPD patients receiving inhaled corticosteroids

alone or in combination: TORCH study results. Eur Respir J 2009; 34: 641–647.

4 Wedzicha JA, Calverley PM, Seemungal TA, et al. The prevention of chronic obstructive pulmonary disease

exacerbations by salmeterol/fluticasone propionate or tiotropium bromide. Am J Respir Crit Care Med 2008; 177:

19–26.

5 Calverley PM, Stockley RA, Seemungal TA, et al. Reported pneumonia in patients with COPD: findings from the

INSPIRE study. Chest 2011; 139: 505–512.

6 Ferguson GT, Anzueto A, Fei R, et al. Effect of fluticasone propionate/salmeterol (250/50 microg) or salmeterol

(50 microg) on COPD exacerbations. Respir Med 2008; 102: 1099–1108.

7 Anzueto A, Ferguson GT, Feldman G, et al. Effect of fluticasone propionate/salmeterol (250/50) on COPD

exacerbations and impact on patient outcomes. COPD 2009; 6: 320–329.

8. Crim C, Calverley PM, Anderson JA, Celli B et al. Pneumonia risk in COPD patients receiving inhaled corticosteroids alone or in combination: TORCH results. Eur Repir J. 2009; 34: 641-7.










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