Incertezas e riscos rondam o retorno. Quais os riscos reais?
Convido-a(o) a visitar os dados objetivos sobre o assunto comigo, texto escrito em meados de agosto de 2020. Além disso conversei sobre o assunto em uma live recente com educadores de uma escola municipal aqui da cidade de São Paulo, caso prefiram assistir à troca de ideias.
Grupos de indivíduos envolvidos nesse retorno às aulas e qual o risco de Covid-19 desses grupos?
No retorno às aulas, temos três grupos primariamente envolvidos:
- Profissionais da educação e suas famílias;
- Alunos;
- Famílias dos alunos.
Profissionais da educação: O risco de Covid-19 grave vai depender da faixa etária dos profissionais e da presença de comorbidades. Pode ser de um risco individual baixo para profissionais jovens sem comorbidades até um risco alto se o profissional for mais velho e tiver comorbidades como obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, insuficiência renal, fizer tratamento para câncer. É também um risco aquele profissional que em si não é de risco mas coabita com familiares do grupo de risco, conforme citei acima.
Alunos saudáveis: O risco de Covid-19 grave é muito baixo. Se comparado ao influenza, a Covid-19 para essa população é um problema de menor magnitude. Sabemos que as crianças e adolescentes contraem e transmitem a Covid-19 mas na sua maioria esmagadora têm apenas um quadro leve sem necessidade de hospitalização.
Famílias dos alunos: caso as crianças e adolescentes coabitem com adultos idosos e/ou com outras comorbidades, há risco significativo de que as crianças/adolescentes possam trazer a Covid-19 para dentro de casa.
Vemos aqui, então, que os dois grupos frágeis (de maior risco) no retorno das atividades presenciais nas escolas são os profissionais da educação e as famílias dos alunos, não os alunos em si.
O ambiente escolar é um ambiente de risco? Esse risco pode ser minimizado?
A resposta é sim para ambas as perguntas. O ambiente escolar aglomera pessoas em espaços fechados por tempo prolongado - esse é um cenário de risco para transmissão de Covid-19.
Além disso, no Brasil é comum o uso de transporte escolar ou transporte público para ir à escola - fator que agrega risco adicional, pois o transporte também é um ambiente fechado com exposição prolongada.
Esse risco pode ser minimizado? Em alguns locais, é provável que sim, mas nem todas as escolas terão essa possibilidade. Formas possíveis de minimizar o risco:
Ninguém com mínimo sintoma deve ir para Escola, nem aluno, nem profissional da escola até que se descarte Covid-19 e influenza.
Retorno com turmas pequenas e fixas (sempre o mesmo grupo).
Além disso, se for possível, é ideal misturar alunos que já tiveram Covid-19 com outros que não, pois assim se reduz o risco de contaminação dos susceptíveis. Da mesma forma, colocar professores que já tiveram Covid-19 em cenários de maior risco e professores que não tiveram Covid-19 (ou aqueles com comorbidades) em cenários de menor risco*.
Aulas em ambiente aberto ou muito bem ventilado, veja foto abaixo.
Todos os alunos de máscara simples.
Para ambientes fechados: todos os profissionais da educação com N95** e escudo facial (faceshield).
Higiene de mãos e superfícies frequente.
No transporte público ou transporte escolar: uso de máscara, janelas abertas, ninguém minimamente doente deve entrar em um ônibus escolar.
Em casa, caso se coabite com grupo de risco: evitar fazer refeições juntos, manter o ambiente ventilado, uso de mascara simples dentro de casa, higiene de mãos e de superfícies.
Sempre que chegar da escola: banho imediato e roupas para um cantinho da quarentena ou devem ser lavadas.
* Para agosto de 2020, sabe-se que a maioria das pessoas tem imunidade de curto prazo (em torno de 6 meses?) pós Covid-19. Não sabemos quanto tempo mais dura essa imunidade. Atenção: mesmo quem já teve Covid-19 deve se proteger como quem não teve.
** Tanto pelo maior risco individual quanto pelo uso da voz em intensidade: bem maior disseminação de gotículas respiratórias.
ATENÇÃO: secretaria (ambiente fechado com vários adultos) é ambiente de risco também e deve ser tratado como tal.
A situação epidemiológica da Covid-19 na sua região influencia o risco do retorno escolar. Entenda:
Se na sua região a Covid-19 está controlada, com mínima transmissão, é muito pouco provável que o retorno às aulas vá ter impacto na transmissão simplesmente porque a doença está controlada na comunidade. Essa é uma região segura para retorno escolar. Esse fato também ensina que estudos vindos de outros países precisam ser extrapolados com cautela para nossa realidade, pois a realidade da transmissão comunitária da Covid-19 no local precisa ser levada em consideração além da capacidade de testagem com RT-PCR do local - veja abaixo.
A capacidade de diagnosticar a Covid-19 na sua região influencia a segurança da reabertura escolar. Entenda:
Se na sua região há ampla capacidade de testagem para diagnóstico de infecção atual (ou seja testagem com RT-PCR, o cotonete no nariz), é mais seguro o retorno às aulas. Por quê? Porque isso mostra a capacidade de se identificar transmissores e removê-los de circulação, deixando apenas pessoas saudáveis circularem.
Quanto de testagem mostra que a região está preparada? Instituições educacionais norte-americanas sugerem que uma taxa de no máximo 5% de RT-PCRs positivos mostra que a quantidade de testagem de uma região está adequada. Quer dizer, testa-se tanto, que 95% dos RT-PCRs são negativos e apenas 5% positivos. Se na sua região a taxa de PCR positivos é maior do que 5%, isso é sinal de que se testa pouco. No Brasil, não temos essa informação disponível oficialmente, o que é infelizmente mau sinal: indica que esse ponto não está sendo vigiado e meticulosamente cuidado.
Distanciamento físico, funciona para controlar a Covid-19?
Sim. À essa altura, há evidências robustas do efeito do distanciamento para controlar a Covid-19. Então, se for preciso controlar uma transmissão local de Covid-19, o método mais efetivo, enquanto não temos uma vacina, é o confinamento.
No gráfico abaixo, note o comportamento da positividade do PCR em pacientes e profissionais de saúde em Londres antes e após a confinamento. Houve uma queda na proporção de 6x menor de casos 4 semanas após o confinamento.
Aqui tem também o bate-papo promovido pelo Ciência USP com a amiga e intensivista Dra. Anna Podolanckzuk, da Columbia University em Nova York, nos contando sobre como foi estar na linha de frente da Covid-19 quando a cidade de NY estava em transmissão acelerada da Covid-19 e o efeito do confinamento que foi adotado na cidade. Segundo palavras dela: "o confinamento nos salvou".
Problemas:
Como os pais de crianças ficam sem poder contar com as escolas?
As cidades estão retornando às suas atividades. Como os pais ficam? Precisará haver um debate mais amplo em sociedade. Não há escolha sem perdas. Se não houver reabertura escolar, existe um custo social que precisará ser absorvido.
Prejuízo para as crianças com as escolas fechadas
Sem dúvida, temos prejuízos significativos aqui. Em especial no cenário de baixa renda e maior vulnerabilidade social, pois, nessa situação, a escola não só educa mas também alimenta e retira a criança de ambientes domésticos potencialmente tóxicos. Além disso, agrega-se o fato de que, em regiões de baixa renda, simplesmente não se fez confinamento até agora, ou seja, é pouco provável que a reabertura escolar contribua para um maior risco de transmissão de Covid-19 no local. Aqui, o risco é principalmente restrito aos profissionais de educação e, em assim sendo, fico pensando (opinião/reflexão pessoal) se não teria como retornar as aulas de escolas que atendem comunidades vulneráveis com prioridade, oferecendo aos profissionais da educação proteção máxima (equipamentos de proteção individual adequados, incluindo N95). Sabemos pelos profissionais de saúde que fornecimento de EPIs e treinamento no uso deixa os profissionais sem risco ocupacional adicional (além do risco de contaminação na comunidade).
Considerações finais
Vamos acompanhando a discussão macro em sociedade. Prometo atualizá-la(o) à medida que novos elementos surgirem.
Alguns cenários são bem fáceis de decidir: locais sem Covid-19 estão aptos à reabertura, e em locais de transmissão acelerada a reabertura está 100% contraindicada. Nas zonas cinzentas entre esses dois cenários, aí há necessidade de avaliação caso a caso da região (quanto à transmissão e à capacidade de diagnóstico de Covid), das instalações da escola e da capacidade de adaptação.
Em breve, estamos partindo para França. Lá o retorno presencial das aulas está previsto para 1o de setembro. Dou notícias de como será por lá.
Cuidem-se e fiquem bem!
Declaração de conflitos de interesse: nenhum
As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.
Eu sou Leticia Kawano Dourado, doutora em pneumologia pelo HCFMUSP, médica pneumologista e pesquisadora.
Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado
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