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  • Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Vieses cognitivos: você conhece como sua mente funciona?

Bases biológicas da formação de julgamentos e tomadas de decisões


Você olha uma nuvem no céu e enxerga um sentido, por ex. um cavalo. Isso já te aconteceu?


O que você vê?


Vieses cognitivos são padrões mentais sistemáticos que ocorrem em situações particulares e se desviam do julgamento racional. A psicologia e a sub-area da economia comportamental são as áreas que mais se dedicam a estudá-los. Por exemplo, na imagem acima, enxergamos um cavalo como parte de um mecanismo mental intuitivo / "rápido" chamado pareidolia (ou patternicity). Esse pensar "rápido", no caso dessa nuvem-cavalo, acaba por encontrar significado (cavalo) em um ruído (algo sem significado), e como você pode perceber, se esse modo de pensar ocorre em outras situações da vida, pode levar à conclusões equivocadas.


Eu pessoalmente fui exposta pela primeira vez ao assunto no curso de Principles and Practices of Clinical Research da Harvard School of Public Health mas o assunto é antigo e um dos primeiros autores a introduzir o conceito no mundo foi o psicólogo Daniel Kahneman na década de 70. Daniel Kahneman, que ganhou o premio nobel em economia em 2002 por conta de seus estudos sobre o comportamento humano, escreveu um livro muito interessante sobre o assunto chamado Rapido e Devagar, duas formas de pensar (resenha em ingles: Think fast and slow). O autor frisa que muitos mecanismos do pensar "rápido" (automático) foram fundamentais para nossa sobrevivência na selva, onde assumir perigo diante de uma mínima suspeita poderia ser a diferença entre a vida e a morte.



Gazelas pulam em fração de segundos após identificar mínimo movimento na água

Há vários tipos diferentes de vieses cognitivos descritos e quanto mais complexa é a atividade que precisa ser resolvida, menos efetiva é a conclusão do pensar "rápido" (automático). Dessa forma, conhecer a presença desses viéses e em que situações eles mais operam permite a identificação e prevenção de se cair na conclusão enviesada. O pensar automático permeia a vida e permeia inclusive o processo de pensar lento (complexo). A ideia não é eliminar o pensar automático mas reconhecê-lo e em assim fazendo, sair da hipnose de "certezas" que ele causa.


Alguns exemplos de vieses cognitivos serão citados abaixo. Note que em todos eles tem o pensar "rápido" (automático) como substrato, ou seja há uma ausência de racionalidade. O pensar "rápido" esteve ao longo da história da especie humana muito associado a sobrevivência, motivo pelo qual o contexto em que ele mais surge é quando são pressentidos risco ou "perigo".

Supertição: atribui-se equivocadamente um valor causal a um objeto e passa-se a usar o objeto sempre que "necessário" para causar novamente um desfecho positivo, já que em uma situação anterior, esse objeto se associou a um desfecho positivo. A tal confusão entre associação e causalidade. Por exemplo, usar um objeto da sorte diante de um desafio (uma camisa, um colar, etc).


Viés de disponibilidade: o pensar rápido interpreta que a informação mais disponível (ou a que mais nos mobiliza emocionalmente) é a que tem maior chance de acontecer novamente. Exemplo: Diante dos atentados de 11 de setembro, as pessoas decidiram evitar o transporte aéreo e preferiram o terrestre. Houve 20% mais carros nas estradas no ano que se seguiu aos atentados o que gerou 1595 mortes adicionais (versus nenhuma morte por acidente aéreo). O pensar "rápido", movido pela sua natural e imediata aversão ao perigo, avaliou equivocadamente o risco objetivo de mortes aéreas versus o risco de mortes por acidentes de trânsito.


Viés de enquadramento ou framing: esse é um viés muito comum no cenário de comunicação de risco. Lembrem que o pensar "rápido" é desencadeado primariamente por um senso de perigo/prejuízo. Então dizer a um paciente que existe 3% de chance de uma operação dar errado é totalmente diferente de falar que há 97% da operação dar certo. O mesmo para qualquer outro cenário: dizer que um produto alimentício é composto de 85% de carne magra é TOTALMENTE diferente de dizer que o produto contém 15% de gordura.


O viés de enquadramento pode aparecer em contextos mais sutis como por exemplo na pesquisa científica ilustrada abaixo: se o entrevistador de recursos humanos estivesse segurando uma bebida quente, a chance de contratação do candidato era maior do que se o entrevistador estivesse segurando uma bebida fria. Não à toa relacionamos quente e frio também a traços de personalidade.




Qual o impacto dos vieses cognitivos na ciência? Enorme impacto! E esse é o motivo pelo qual cientistas de verdade têm tanto apreço por definir um método de investigação a priori e segui-lo, além de buscarem se manter abertos ao contraditório.

Em 2015 foi publicado um excelente artigo da Nature sobre o assunto: Let´s think about cognitive bias! Notem na imagem abaixo que há várias formas pelas quais a mente de cientistas podem enganar a eles mesmos! E porque cientistas se interessam pelo assunto? Porque se o compromisso é chegar na verdade, então é preciso evitar conclusões enviesadas (equivocadas).


Imagem retirada do artigo: "Let´s think about cognitive bias" Nature 2015

E no assunto #MulheresNaMedicina #MulheresNaCiencia, qual o impacto dos vieses cognitivos? Igualmente um impacto enorme já que também fazemos julgamentos de "excelente, bom, médio, ruim", ou "adequado/inadequado para determinado cargo" baseados em análises permeadas por pensamentos "rápidos" intuitivos que se ancoram na cultura e nas diferentes expectativas que se tem sobre gêneros. Nesse blog há vários exemplos de estudos (esse, ou esse, ou esse) evidenciando a atuação de vieses cognitivos subconscientes contra a ascensão na carreira de mulheres.


Resumo da Ópera: Vieses cognitivos são na verdade parte de uma estrutura mental complexa de avaliação da realidade. São úteis em algumas situações e muito pouco úteis ou até prejudiciais em outras. A partir do momento que você os reconhece, você tem a possibilidade de se libertar da tirania deles.


Há vários outros vieses cognitivos e todos eles são super interessantes. Vou me restringir aos exemplos acima apenas como ilustração, mas convido os interessados a buscarem mais sobre o assunto! Leitura sugerida: Livro do Daniel Kahneman, e façam o teste IMPLICIT bias da Harvard University (versão em português), nesse teste você pode verificar seu grau de preconceito (viés cognitivo) com obesidade, sexualidade, gênero, idade etc.



Declaração de conflito de interesse: nenhuma


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano-Dourado

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