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  • Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

A competição entre mulheres

O mito da abelha-rainha (queen bee phenomenon). Vamos entendê-lo mais profundamente?



Cena do Filme "O Diabo Veste Prada" com Meryl Streep

O fenômeno abelha rainha se refere a mulheres em posição de liderança que tratam de forma dura suas subordinadas mulheres.

Volta e meia escuto que "mulheres competem entre si, não são confiáveis entre si e que é preferível trabalhar com homens pois são mais fáceis de lidar". Será? Vamos investigar objetivamente?


Completei 40 anos recentemente e tenho 16 anos de formada. Nesse tempo, posso dizer que tive mentoras e mentores sensacionais, verdadeiras fontes de inspiração, mas eu estaria mentindo se disse que todas as mulheres para as quais estive subordinada foram boas para mim; igualmente posso dizer que nem todos os homens também o foram. Será mesmo essa uma questão de gênero?


Claro, não pretendo convencer ninguém com base em minhas impressões pessoais de vida. Vamos às evidências. Arvate et al investigou o impacto que mulheres líderes tem em outras mulheres que estão subordinadas em nível alto a intermediário da hierarquia profissional. O artigo é sensacional e vocês devem lê-lo, mas já adianto suas conclusões:

“Descobrimos que existe um efeito causal pró-feminino da liderança feminina nas organizações públicas sugerindo que esse fenômeno de abelha rainha seja um mito.” Em outras palavras, quando as mulheres são líderes, elas contratam mais mulheres para trabalhar para elas do que os homens.

E o mais interessante: esse efeito é máximo quando a mulher é re-eleita em comparação ao primeiro mandato, pois é quando ela está mais confiante, passou a tensão de ter que provar sua competência, nesse momento a líder passa sim a apoiar outras mulheres.


Para que uma mulher de fato apoie outras mulheres, ela precisa se sentir confiante para agir mais livremente

Acompanhem meu raciocínio: se o ambiente profissional é tóxico e se a ascensão de uma mulher a um cargo de liderança é visto com um voto de confiança dado sob suspeita, essa mulher assume a liderança sem qualquer liberdade, tensa, com necessidade de provar que merece estar ali a todo instante. Essa líder não apoiará outras mulheres e isso é consequência do ambiente tóxico em que ela se encontra e não de características intrínsecas de gênero. Essa líder precisa ser diferente das outras mulheres para manter "seu lugar ao sol" e não quer nenhuma identidade com a parcela excluída da corporação. Fenômeno semelhante pode ser visto em relação a raça, imigrantes, orientação sexual. A boa notícia é que esse comportamento não é nada intrínseco mas ao contrário é uma estratégia de sobrevivência naquele ambiente tóxico. Se o ambiente muda, essas defesas caem por terra igualmente.


Não se trata de uma característica de gênero. Sob tensão e numa cultura escassez é muito difícil ter generosidade e solidariedade para oferecer

Desse modo a competição que vemos entre mulheres (o fenômeno abelha rainha) é mais uma consequência da inequidade de gênero do que causa dela. E mais, mulheres líderes não apoiam outras mulheres quando não tem poder suficiente Vejam que interessante: mulheres que experimentaram mais discriminação pelo fato de serem mulheres são mais propensas de se distanciar de outras mulheres incorporando o ditado popular: "Clube bom é aquele que não me aceitaria como sócio" (além de ser um problema de auto-estima, potencial para problemas psíquicos mais sérios).


Qual a solução para esse círculo vicioso?

1. Mais mulheres em posições de poder. Quanto mais mulheres em cargos de liderança de elite, menor a prevalência de estereótipos definidos pelo o olhar masculino sobre a mulher profissional, menor a tensão da líder em ser a única mulher precisando provar o porquê de estar ali, mais conforto em reconhecer o valor de outras mulheres.

2. Ação sobre ambientes tóxicos profissionais em relação a gênero: em ambientes profissionais favoráveis, mulheres que assumem cargos de liderança de elite são benevolentes e não se opõem à ascensão de outras mulheres


Não há nada melhor que a aliança feminina no ambiente profissional. Temos muito o que compartilhar.

Resumo da ópera: A competição vista entre mulheres é parte de dois fenômenos, um deles é a competição natural que há em ambientes de alta performance profissional vista entre homens/homens, homens/mulheres e mulheres/mulheres. O outro fenômeno é o fenômeno da abelha rainha e é na verdade resultado do ambiente tóxico e escasso de oportunidades que as mulheres encontram, impedindo que características mais benevolentes de personalidade se manifestem.

Nos faz refletir, não? Chega de falsos estereótipos nos atrapalhando. Reflitamos que muitas vezes o que precisa melhorar é o ambiente. #TimesUp #Chega



Declaração de conflitos de interesse: nenhum


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado




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