Há várias situações que podem demandar uma quebra do isolamento social. Caso seja mesmo necessário, aqui seguem dicas para fazê-lo em segurança.
Imagine as seguintes situações: pais idosos, isolados rigorosamente em quarentena, precisam de repente de uma manutenção dentro do seu domicílio - um vazamento no teto. Um filho adulto precisa ir verificar o problema, acionar o pedreiro, acompanhar o reparo. Ou tão importante quanto, os impactos emocionais do isolamento que se alonga começam a ter significativa repercussão na mãe que mora sozinha, ou nos avós que sentem falta dos netos. Ou crianças desenvolvendo sintomas emocionais sérios relacionados com o confinamento e privação de contato. Como fazer?
Quem me acompanha sabe como defendo o isolamento social como forma de contenção de danos da covid19. Inclusive para fim de maio de 2020, o efeito do isolamento social em conter a transmissão da covid19 é INQUESTIONÁVEL. Devemos todos participar desse problema coletivo da melhor forma possível, e fazer a nossa parte significa, para maio de 2020, aderir às medidas de isolamento social solicitadas no seu município.
No entanto também compreendo que há situações que precisam ser contemporizadas, e essa contemporização fica ainda menos problemática caso o município não esteja em regime de confinamento (ou lockdown)
Então vamos lá: você tem um motivo forte para precisar ir ver seus pais, avós. Como fazê-lo com máxima segurança para eles?
Situação ideal:
Ninguém tem sintomas atuais suspeitos de covid19.
Ambos os lados que vão se encontrar estão em isolamento seguro há pelo menos 14 dias (7 dias não é ideal mas pode ser aceitável se as outras medidas abaixo são cumpridas).
Crianças que já andam mas que ainda não conseguem entender bem as ordens de evitar contato físico e uso de máscara, preferencialmente não devem ir.
O encontro deve ocorrer em ambiente aberto e vazio: um quintal, uma varanda ventilada, um jardim. Caso precise ser dentro de casa que seja em um ambiente bem ventilado e amplo para que as pessoas possam manter distância.
Aqueles que vão ao encontro, devem ter todo o cuidado no trajeto, caso se exponham (ex. ônibus/metrô), vale a pena ir de casaco/jaqueta e óculos, para retirá-los quando chegar ao encontro. Chegue e lave o rosto, mãos e braços (partes expostas com água e sabão)
Todos usam pelo menos máscara simples o tempo todo do encontro e todos mantém uma distância de pelo menos 2 metros entre si (comer, lanchar juntos NÃO é uma boa ideia: o risco de contaminação aumenta significativamente)
Não se leva mão nos olhos, boca ou nariz em hipótese alguma, a menos que logo após higiene das mãos.
Caso queiram contato físico, daí vem a criatividade de alguns: um tecido grosso impermeável/plástico pode permitir um abraço:
9. Após o encontro, os do grupo de risco devem tomar um banho com sabão/shampoo imediatamente, por roupas usadas para lavar, higienizar o local do encontro com sabão/detergente ou alcool 70% ou hipoclorito a 0.1% (cândida, Kiboa ou água sanitária - mas diluida a 0,1%) caso tenha sido dentro de casa. PS: Como diluir seu hipoclorito que está a 2% ou 2,5%? Veja aqui nessa nota técnica da ANVISA.
[Edição acrescentada em 23 de junho de 2020] Fazer o exame de RT-PCR antes do encontro não ajuda muito pois o PCR informa sobre o AGORA. Por exemplo, alguém com PCR negativo pode no dia seguinte ao teste passar a excretar o virus. Desse modo, fazer isolamento antes do encontro é fundamental. Por outro lado, uma sorologia positiva e quadro clínico no passado compatível, sugerem imunidade pelo menos de curto prazo, pois não tem havido descriçao de re-infecção pela covid19. Por outro lado, um sorologia positiva sem quadro clínico no passado pode ser um falso positivo então cuidado em assumir uma sorologia positiva como imunidade. A sorologia precisa estar inserida em contexto adequado.
E netos visitarem os avós em uma situação de emergência emocional? Como fazê-lo com máxima segurança para eles?
Os mesmos cuidados mencionados acima se aplicam aqui. Nessa situação, como as crianças tem mais dificuldade de seguir as recomendações de cuidados de contato e distanciamento, daí fica mais importante que os pais e as crianças que visitam os avós estejam de fato em isolamento seguro por 14 dias.
Atividades ao ar livre em ambientes vazios são as melhores para essa interação, situação em que ambos os grupos estão protegidos. Lembrem SEMPRE de, após esse tipo de atividade, imediato banho com agua sabão/shampoo e lavar as roupas usadas. Cuidem dos celulares, chaves e carteiras também: são fonte de contaminação se não são higienizados.
Durante o encontro, álcool gel em intervalo frequente nas mãos de todos. Comer/lanchar junto não é uma boa ideia: esse é um momento em que se tira a máscara para comer, e o se servir oferece risco adicional de contaminação por contato.
Caso uma criança viole a regra de distanciamento com avós, também não é o caso de pânico: estavam todos em isolamento seguro por 14 dias, e encontros fortuitos, rápidos e em locais abertos, são de relativo baixo risco.
E no caso de profissionais de saúde, naturalmente sob risco constante de contaminação pela covid? Como visitar grupos de risco, caso necessário?
Nesse caso o risco é sempre maior do que nas situações acima mas pode ser minimizado pelas seguintes medidas:
Cuidado máximo no ambiente de trabalho, e na ida e vinda dele. Tenho um vídeo que gravei para alunos de Medicina que iam começar o ciclo clínico durante a covid, as recomendações se aplicam. Continuação do vídeo aqui.
Isolamento seguro dentre de casa.
Nesse cenário, todas as orientações acima se aplicam e se seguidas , tudo indica que o encontro será seguro
Fundamental máscara o tempo todo do encontro - se o profissional de saúde tiver disponível, uma N95 aumenta a proteção do grupo de risco (sem válvula expiratória, a mascara N95 normal)
E crianças que estão urgentemente precisando ver outras crianças?
Seja pelo desenvolvimento psicomotor das crianças ou por consequencias negativas emocionais do isolamento nas crianças, haverá de fato crianças com necessidade de ter contato com outras crianças. Alguns arranjos tem sido pensados para esse cenário, um deles o chamado contact cluster: trata-se de um pequeno grupo de crianças (2-3?) cujas familias moram geograficamente próximas, e todos seguem princípios de isolamento seguro. Essas crianças passam então a brincarem justas de forma exclusiva, formando um "grupo isolado".
Pelo tempo em que as famílias não furarem o isolamento, a segurança da brincadeira das crianças está garantida. Algo a se pensar a medida que o isolamento se prolonga, principalmente nos arranjos de condomínios/ruas no Brasil.
Importante para que o contact cluster dê certo do ponto de vista de saúde pública:
Famílias estão em isolamento
Acordo de exclusividade. A brincadeira precisa ser apenas entre um pequeno grupo de crianças, sempre o mesmo - sem rodízio com outras crianças. Idealmente quanto menor o grupo melhor.
Melhora a segurança do contact cluster: brincadeiras ao ar livre ou ambiente bem ventilado, uso de máscaras se possível, higiene de mãos frequente e banho imediato após fim da brincadeira.
Eu já tive covid19. Isso me faz alguém seguro para visitar pessoas do grupo de risco?
É possível que sim. Em macacos Rhesus, não foi possível re-infecção após um episódio de covid19 - essa tentativa de re-infecção ocorreu no período precoce após doença. De todo modo é um dado animador. No entanto, para maio de 2020, nós ainda não sabemos muitas coisas sobre a imunidade para o SARS-CoV2, as quais me impedem de dizer que esse é um cartão verde completo:
não sabemos se todos desenvolvem imunidade protetora após covid
não sabemos quanto tempo dura essa imunidade
Por enquanto, mesmo após um episódio de covid, cuidem-se caso precisem visitar grupos de risco - na dúvida pró réu.
Bom, espero que esse artigo ajude no planejamento de eventuais encontros, que esses sejam seguros e sem nenhuma suspresa desagradavel dias depois. Desejo a todos serenidade e resiliência para atravessar esse período difícil.
Declaração de conflitos de interesse: nenhum
As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.
Sou Leticia Kawano Dourado, doutora em pneumologia pelo HCFMUSP, médica pneumologista e pesquisadora do Hospital do Coração em São Paulo. Integro o time de pesquisa da Coalizão Brasil Covid19.
Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado
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